ensimesmado em tempos de quarentena

No começo, eu pensei que eu já tinha sobrevivido ao pânico inicial do H5N1 em 2005, em Brasília. Em 2009, já morando fora do Brasil, eu me lembro de usar máscara em dois voos por causa do H1N1, e foi só. Apesar das imagens da Itália, eu conheço a realidade de densidade e climática de lá, achei que era bom tomar cuidado, porém, como nas duas atenções posteriores, não passaria de um pânico. Meu estágio mudou dia 11 de março, quando meu pai me chamou para assistir ao pronunciamento do Trump anunciando a interrupção de voos para a União Europeia. Foi nesse momento que minha formação de Internacionalista me mandou buscar informações com minha irmã.

Minha irmã e meu marido já tinham, em mãos, estudos e diretrizes e disseram que não iria ser brincadeira, mas que provavelmente, por causa da nossa densidade geográfica e do nosso clima (o meu “eu” do passado não estava tão errado), não iria haver uma grande contaminação aqui (as informações já mudaram). Veio o decreto governamental, e eu passei para uma vida bem burguesa. Sim, eu sei, eu não sou dono dos meios de produção, não posso ser burguês, mas como, filosoficamente, o signo não se distingue da prática, vou usar o termo burguês mesmo, porque as pessoas usam o termo como significado de vida leve. Ficar em casa, estudar latim de manhã, ler romances à tarde e assistir aos filmes acumulados na Apple TV. As senhoras que trabalham aqui entraram de quarentena também. Eu estava há 7 anos sem nem lavar uma louça. Até limpar meu quarto do meu jeito era gostoso. Os dias foram passando e não sair de casa nem para ir comprar um sorvete começou a pesar. Não gosto de redes sociais, mas entrei para o Twitter para compensar a ausência do exterior. No meio de todo esse redemoinho, eu me dei conta de que a minha bagagem era irrelevante ali. Todo mundo precisa de um interlocutor, e eu era afônico naquela TL. Eu me dei conta, em confinamento, que eu era velho. Evidente que eu não me considero velho, mas, naquela esfera, com as minhas características, eu sou.

Nas divisões de grupos sociais de Cooley, eu penso que nunca vou ser do “grupo social primário” entre aqueles Zs do Twitter. Como na quarentena, tempo para pensar é o que não falta, eu comecei a trazer o conceito para mais próximo, fora da internet. Eu casei com um homem mais novo. Com amigos mais novos ainda. Eu quase caio na geração X… um ano me põe fora dessa classificação. Eu sou um Y (millennial) com uma carga de X. Meu esposo é totalmente Y e seus amigos, Z. Eu fui perceber que há muito eu estou no grupo social secundário. Se eu trouxer um assunto, aquilo é visto com pouca relevância. Se um deles assistir a um vídeo de um youtuber (ou um outro influencer) falando de orelhada sobre o mesmo assunto, eles tratam como se fosse uma novidade.  O Twitter só me aumentou a resolução disso para que eu pudesse perceber. E, deste lado do Atlântico, quem é meu grupo social primário? Minha família, as pessoas que habitam minha casa. É aí que o escopo muda de “probleminha Notre Dame burguês” para a melancolia mesmo. As pessoas que me valorizam, que me têm dentro do seu grupo social primário, são dois profissionais de saúde, e meu pai, que faz parte do grupo de risco do COVID-19. Vai chegar um momento em que, ao invés de ouvir o barulho do portão eletrônico abrindo, eu vou ouvir o toque do meu celular, e minha irmã e meu marido informaram que eles não vêm para casa, que vão para os quartos que já alugaram para evitar nos contaminar. Engraçado como que em um curto espaço de tempo, eu fui perceber meu valor para essas pessoas e o quanto eu me esforçava para parecer “novo” aos olhos de gente que eu até gosto, mas das quais eu nunca serei melhor amigo, que nunca pensaram em mim como primeira opção.

Meu pai e eu já estamos nos preparando para cuidar, sozinhos, dos meus dois sobrinhos. Ainda teremos muito tempo de confinamento, quem saiba eu não apure melhor todo esse raciocínio? Certeza que, pelo menos nesse período, eu continuo no Twitter, e com a leveza de saber que eu sou observador ali. Meus interlocutores são minha família e meus amigos do outro lado do Atlântico. Que essa pandemia passe logo, e eu tenha a possibilidade de tê-los novamente, sem interferências.

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