Relatos de quarentena

“Tirar dores do peito e colocá-las no papel”, é o que faço desde os meus 11 anos de idade. Tenho hoje 45 e nos meus piores ou melhores dias eu escrevo, falo do que foi bom e do que foi ruim, registro. Mas muitas vezes me falta um interlocutor. Fico na expectativa de uma reação, um retorno, porque como seres humanos temos essa necessidade, encontramos sentido no outro, no reflexo que vemos de nós mesmos no outro, por isso, creio, que muitas das vezes quando somos feridos por alguém em quem confiamos ou com quem faz parte do nosso convívio a dor é muito maior do que nos parece poder suportar, é como se fosse autoinfligida, nesse momento, além da dor sentimos culpa e vergonha e os sentimentos ruins são potencializados. Eu como mãe não consigo me sentir menos responsável pela felicidade de meus filhos, tenho duas moças, 23 e 25 anos, e um rapazinho de 5 aninhos, eu sei que não sou responsável pela felicidade deles, e até dizer isso é muito difícil, principalmente quando eles são adultos. Pra mim é muito difícil não me sentir responsável e sei que para muitas mães também, dizem por aí que os filhos precisam “quebrar a própria cara” para aprender, mas não consigo, sempre preciso controlar e medir cada ação deles para que não sofram, e isso é impossível, inclusive acho que eles sofrem por minha culpa, sou controladora demais, perfeccionista demais, e temo ser uma mãe abusadora nesse sentido , porque sei que isso tira-lhes a liberdade, Muitas vezes minhas filhas me dizem, especialmente a mais velha, que eu sou culpada, sou amarga, infeliz e não permito que elas façam nada por medo de fracassarem como eu, será? Talvez. Dizem que elas não repetirão meus erros, ou que se repetirem ainda assim serão os erros delas, mas o meu grande medo é que elas repitam, realmente meu medo é que elas repitam meus erros. Nessa quarentena isso tem se agravado. Começamos a quarentena com as duas namorando e eu torci para que chegasse ao fim o namoro, para garantir que o isolamento social fosse total. Uma delas estava no início do namoro e acabou que o relacionamento não suportou a distancia, e chegou ao fim, com teve fim também minhas preocupações em relação à entrada de uma pessoa na casa, mas ainda restava o namoro da outra, não que eu queira o mal dos dois, mas é um relacionamento difícil, o namorado acredita que isolamento social é desnecessário, quando vem á minha casa (o que nao deveria acontecer) não traz roupa pra trocar, fica mais que o tempo devido, não cumpre qualquer protocolo contra o coronavírus, além de que quando está na casa dele sai e passeia como se nada estivesse acontecendo, e para piorar por causa do isolamento minha filha surtou, teve que ser atendida pelo SAMU e levada para atendimento ambulatorial porque não suportou a vida sem atividade sociais. E eu? Eu também nao. Não aguento, mas guardo os meus surtos e choros para o momento do banho, quando tenho privacidade, ou quando estão todos dormindo. Aí posso chorar e parar para pensar em tudo isso. Meu filhinho de 5 anos fica todos os dias acordado até meia noite esperando o pai chegar para brincar com ele, ele diz que eu sou a cuidadora, não posso e não sei brincar, isso me chateia muito, mas a verdade é que acho que naos ei brincar mesmo. Não sou legal, nem atrativa porque quero que tudo seja muito correto e controlado. Estou aqui, mais de meia noite e ele brincando e eu escrevendo, depois de um dia inteiro desejando tomar um vinho, ouvir uma música e chorar minhas mágoas. Passei o dia todo procurando meus amigos no whatsapp, todos eles com problemas particulares, ocupados com eles , sem poder me dar atenção, me ouvir. Percebi que nao conseguiria nem dormir, logo, sem quem me ouvisse resolvi pesquisar  no google as palavras “relatos de uma quarentena”  com o intuito de achar uma frase que definisse meu estado  para postar no facebook,  encontrei esse site. Meu marido dorme em outro quarto porque é o único que sai para trabalhar, hoje pela manhã coloquei uma roupa mais sex para dormir, e esperei ele entrar no quarto comigo fingindo estar dormindo e ele entrou e nem me olhou. No café da manhã quando fomos conversar ele me disse que quando ele diz que sou ignorante eu reclamo, isso porque ele me fez uma pergunta e antes que eu dissesse 4 palavras da resposta ele já me interrompia indagando a lógica da resposta. Fui chamada de ignorante, sou tachada de amarga e varias outras coisas, nem para meu filho de 5 anos ou legal, Eu passo a quarentena lavando, limpando e cuidando das pessoas, filhos e maridos, e mais sinto que sou uma empregada nao remunerada, uma escrava, ou um robô. Ninguém cuida de mim, e eu cuido de todos, porém não é suficiente, ou talvez não é de forma adequada, e isso me chateia muito pois estou sempre dando p melhor de mim, mas as pessoas so assimilam o pior de mim, Escrevi muito e talvez ninguém leia até aqui, mas tenho uma infinidade de relatos como esses, feitos desde os meus 11 anos de idade, que ninguém jamais leu ou lerá, mas isso não importa, o simples fato de escrever já me faz bem, pois posso colocar pra fora o que não me faz bem, e assim talvez me tornar menos amarga.

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